Umas mãos pequenas.
Um rosto sereno,
Um olhar de mel.
Chamava-se Joana,
Era minha avó
E o amor da minha criancice.
Um dia, partiu
Sem dizer adeus.
De repente, perdi
A infância e uma parcela de Deus.
Helena
Quem julga que sabe tudo, acaba por nada saber.
A casa do avô e da avó, mais da avó, que o avô morreu bastante mais cedo, eram uma referência. Liberdade e brincadeira. E um incêndio que ia destruindo a casa, pelo lado do palheiro onde ficava a mula e o cavalo. Palheiro onde pernoitavam as galinhas que ordeiramente, todos os dias de manhã, iam do palheiro para o quintal, atravessando a cozinha, e todos os dias à tarde ordeiramente iam do quintal até ao palheiro, atravessando a cozinha, e no palheiro subiam para os poisos alinhados, cada uma com o seu lugar cativo. E esta ordem ancestral e imutável, tão regular como as badaladas cadenciadas nos sinos do relógio da torre da igreja, sinos e relógio que o meu avô lá colocou com andaimes e sistemas de roldanas feitos por ele, esta ordem durou enquanto a minha avó foi viva e activa. Uma trombose ligeira aos 97 anos deu-lhe o direito a descansar sentada porque na preguiça de não querer voltar a andar podia dizer que estava enfraquecida e assim justificada foi descansando o que nunca descansou na vida até morrer aos 99 anos de idade. Na casa da avó aprendi que os gatos e todos os bichos, e nós também, temos o nosso espaço. Que aos gatos não se pedisse que saíssem de onde estavam porque o espaço era deles e nada os demovia, garras afiadas e pêlos eriçados respondiam às minhas traquinagens e vezes sem conta mãos, braços e pernas foram testemunhos das batalhas perdidas. A guerra, essa, os gatos perderam-na quando a minha avó morreu. Todos perdemos. E a casa nunca mais voltou a ser a casa da avó e do avô. Mais da avó, que o avô morreu mais cedo. E a infância não morreu, trago-a no coração, mas nunca mais voltou a ser a mesma depois do avô e avó terem morrido. Há tempos que vivemos e gostávamos de voltar a visitar. Passo por algumas passagens e vou lembrando-me. Recordar é sobreviver à voragem de vidas que dizem serem vivas porque correm. É mentira. Só vivemos quando temos memória, e a memória só se faz com alguma presença de si nalgum tempo de espaço e ver. Na casa da minha avó as madrugadas eram lindas, e o sol brilhava mais que em todas as casas. E a cada dia que passava, mesmo quando tinha que ir buscar água à fonte a carregar a bilha húmida e pesada, que se despejava cheia a custo nas talhas grandes, bocarras enormes que nunca mais ficavam cheias e as caminhadas ladeira abaixo ladeira acima faziam-se até pelo menos uma das talhas encher satisfeita na barriga bojuda, a cada dia os dias eram mais aproveitados, a idade deixava correr mais, explorar mais, ser mais. Até que um dia deixou de haver férias na casa da avó. Nesse dia começou a viagem para a estadia em África.
ResponderEliminar– Quando chegamos a África?
O navio andava devagar e parava ali e aqui, um trajecto calculado.
– Já chegámos a África?
África ficava longe mas ia-se aproximando. E o despertar foi uma áfrica boa, profunda, grande, imensa, fragrante. Como uma casa da Avó.
ouvir-me no texto
escrito lá pelas bandas de 8 de maio de 2007
Oh!Pedro, que dizer a uma voz que se conhece sem nunca se ter ouvido antes, a memórias que são tão comuns que nos conduzem a uma África de que ainda hoje eu sinto o cheiro?
ResponderEliminarComo explicar que seja a net, esse imenso mundo de tecnologia, a colocar, um dia, na nossa vida, alguém que certamente conhecemos noutra, tal a proximidade que sentimos?
E como não acreditar que nada, mas absolutamente nada, na nossa existência tem uma inexplicável razão de ser?!
Obrigada, meu querido Pedro, por essa leitura que me foi tão familiar, tão minha/sua. Bem haja!
são áfricas que nos unam
ResponderEliminarou mais
o húmus da vida
essa coisa viva
que da terra venha
que à terra retorne
que da terra retome
todo o sangue toda a vida
todo o espanto constante
de ser a vida viva
de ser viva a vida
grande abraço
Pedro