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terça-feira, 30 de junho de 2009

Pele escura


A tua pele
Era escura.
Podia ser negra
De África
Ou da Índia.
Mas o olho era azul
E o cabelo bem claro.
Donde eras tu,
Com esse aspecto tão raro?
Tinhas uma pele sedosa,
Dir-se-ia de mulher.
Eras de terra distante
Como distante era o teu ar
E a língua que falavas.
Só não sei porque me vens
Tanta vez
Ao pensamento.
Deve ser dessa estranha mistura,
Que em mim encontra alento
E me leva a divagar
Numa sadia loucura!
Helena

3 comentários:

  1. de viagem e avião


    uma garrafa de água e limão
    vous voulez des glaçons?
    non, mais j'aimerais bien le stick presseur, celui que vient avec le chocolat chaud
    ça?
    oui, c'est ça, comment vous appelez ça?

    pelo barulho dos motores vejo-lhe os lábios a falar
    não ouço e não percebo
    deve ter dito qualquer coisa de inteligente
    sorrio

    é muito bonita
    como quase todas elas
    e nem todas fazem sorrisos corteses de serviço

    alguns sorrisos são de dentro sentidos sentem-se
    faz uma certa diferença que é toda a diferença
    para a maioria de quem veja os sorrisos devem ser todos sorrisos
    para mim não

    basta ver como fica o rosto depois do sorriso
    se à volta dos lábios restos de sorrisos convidam a voos sorridentes
    ou se a rigidez se instala como cadáver que já morreu

    quase todas matam os sorrisos à nascença
    prematuros sorrisos moribundos
    e é triste ver sorrisos nado-mortos que falam da tristeza que lhes vai dentro

    não se ensinam sorrisos verdadeiros
    aprende-se da vida quando se é feliz ou se faz por ser feliz

    a alma humana está por todo o lado e nenhuma situação é enfadonha
    se existe alguém por perto

    observo quem passa ou esteja
    e todo o traço é um filme inteiro
    que não descodifico completamente
    nem pretendo não sou deus
    mas encontro fontes inícios trânsitos estados
    a maioria em preocupação aflitos
    quase sempre apressados
    e alguns em estar calmo porque sim

    vejo poses olhares fugazes penteados cachecóis
    e testas
    as testas dizem muito tanto
    quando carregadas que têm muitas pistas de autoestradas
    variadamente completadas com olhos raiados a fazer de ferozes
    mais algozes deles mesmos

    nos sorrisos das hospedeiras
    sinceros
    nunca se tem a certeza que haja convites
    e lembro-me do Truffaut no filme em que vem a Lisboa
    e há um número de telefone numa carteira de fósforos
    e já não me lembro do resto
    mas lembro-me dele na Gulbenkian e duma pergunta da assistência
    que lhe falava disso porque o filme tinha uma conferência em Lisboa
    e ele estava ali connosco numa conferência em Lisboa
    e chegou ao palco tal como no filme
    através da cortina
    e foi impossível não reparar no dejá-vu
    e alguém lhe perguntou se tinha uma carteira de fósforos nos bolsos
    e qual o número de telefone
    e todos rimos gargalhadas alegres como se amanhã todos continuássemos vivos
    e ele já tinha cancro e a morte adiada
    e ninguém sabia
    e eu era um puto deslumbrado com a vida do cinema
    que já sabia que o cinema está em todo o lado
    que ainda não sabia que a ficção é pálida
    amostra
    de toda a vida real


    [continua no próximo comment]

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  2. no voo de ida reparei numa hospedeira que me olhou sem necessidade profissional
    reparei é força de expressão
    foi pela visão periférica
    percebi um olhar intenso
    e fui ver o que era
    e ela olhava-me fixamente
    e não desviou o olhar nem se embaraçou
    simplesmente entregou-me um sorriso bonito
    e sorri-lhe
    enquanto duraram os olhares a ver-se e ela a passar

    ela passou e eu guardei-lhe o sorriso
    não sei o que fez ela do meu sorriso que lhe dei

    já não se fuma a bordo
    e ninguém anda com carteiras de fósforos
    nem eu ia para Lisboa
    nem dar uma conferência
    mas não me impedi de pensar como é um namoro assim
    como o da Filomena e o comandante alemão
    ele no ar ela em terra
    vêm-se quanto nas escalas extemporâneas

    nestas viagens faço muitas coisas
    durmo
    durmo muito quando consigo que não me acordem

    ao comandante havia de lhe encher a boca de trapos
    quando se lembra de avisar a altitude, sempre a mesma
    a temperatura lá fora, sempre a mesma
    a velocidade, sempre a mesma
    o trajecto, sempre o mesmo
    a hora de chegada, sempre a mesma
    a velocidade do vento, variável

    podiam estar calados e calarem-se
    e deixarem-me a alma chegar-se aos anjos

    acredito em anjos
    como não acreditar se sobrevivi
    para contar

    como foi que não tenha sido um anjo
    que me guiou
    que guinou
    que fez
    agora

    só pode ter sido porque não tenho mais explicação

    no todo racional e engenheiro e de inteligência que tenha
    a poesia devo-a à vida
    e a vida ao anjo
    que tenha tido o desleixo de fugir das suas tarefas celestiais
    que hão-de estar tão sobrecarregados que sejam infelizes como todos
    e nessa fuga para descansar da enfadonhisse eterna
    deve ter achado graça intervir
    e nessa graça foi coreógrafo do meu ballet estranho

    há lá coisa mais engraçada que piruetar de carro despistado às 6:45 da manhã
    entre sons de tears in heaven a plenos pulmões?
    o anjo deve-lhe ter achado graça brincar a deus por uns segundos
    de eternidade adiada
    os segundos em que renasço de todas as cinzas e do cheiro intenso
    da borracha queimada ao som da luz da madrugada

    acredito em anjos
    não
    acredito num anjo que me tenha feito dançar no palco da estrada para estar aqui
    e se há um
    talvez haja mais

    abro a garrafa de água
    que coloco um pouco no copo de água
    e à meia rodela de limão
    pressiono-a
    para lhe dar a liberdade
    de me gostar

    repito o processo a espaços
    enquanto
    escrevo o que me apetece e inspira

    como as nuvens que são água
    os passageiros cabeças de fósforos
    e tudo o que pelo ar me deixe ir sem pressa
    sorrisos abraços ternuras carinhos
    bolos pastéis natas travesseiros
    escrevo entre sonos
    espreguiço-me quando me levanto
    a deixar passar a 5A
    escrevo na memória de adormecer
    devia anotar não anoto
    ou me lembro depois ou que se lixe
    agora durmo o descanso
    não tenho pressa

    aterramos
    tento ver se temos manga ou autocarro
    as da 14 em diante estão ocupadas
    falta a 7 que não vejo
    paramos ao lado da 7 preenchida
    temos autocarro

    sou o terceiro a sair
    já no autocarro
    vejo todos a descerem
    telemóveis ligados
    as conversas sempre as mesmas
    chegámos


    Pedro

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  3. E eu cheguei consigo noutro avião.
    Não liguei o telemóvel
    Porque a alma estava lá
    Donde parti!

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